A Fórmula 1 estava com o equilíbrio
comendo solto no início dos anos 2000. Michael Schumacher tentava esquecer os
fracassos de anos anteriores (especialmente a partir de 1997), Mika Häkkinen
tentava ser o 1º piloto campeão mundial 3 vezes consecutivas desde Juan Manuel
Fangio nos anos 50, David Coulthard tentava recuperar seu espaço perdido por
Mika em anos de McLaren e Rubens Barrichello, novato na Ferrari, correndo por
fora, buscava aprender e conseguir seu grande objetivo inicial: vencer pela 1ª
vez na carreira.
Vencer. Naquela época, essa palavra
não estava muito ligada ao Brasil na Fórmula 1. Depois da última vitória dos
nossos até então, com Ayrton Senna no GP da Austrália de 1993 (!!!), aconteceu
de tudo. Senna morreu, Barrichello e muitos outros tentaram preencher seu espaço
(sem sucesso), os brazucas passaram anos amargando posições medianas em várias
equipes e a tão sonhada vitória batia na trave em várias ocasiões – Spa/1994,
Interlagos/1996, Magny-Cours/1999, entre outras. Era uma época em que, também
pela falta de espaço (gerar pilotos e obter patrocínios como antes se tornou
algo bastante árduo, especialmente após a morte de Senna – que causou uma
brusca queda de interesse), muitos migraram para os Estados Unidos,
especialmente para a Fórmula Indy. Lembram-se do Emerson Fittipaldi, quem
começou tudo? É, ele levou o bonde inteiro. Era o “sonho americano” se tornando
realidade.
Porém, Barrichello decidiu mudar tudo
ao receber o convite de sua vida. Durante a temporada de 1999, enquanto
produzia milagres com a Stewart Grand Prix (que em 2000 virou Jaguar e em 2005
virou uma tal de Red Bull Racing, já ouviu falar?), começou a ser assediado por
muitas equipes. Recebeu uma oferta para correr na McLaren, e pretendia aceitar
na hora, até chegar em sua caixa de correio uma carta diretamente de Maranello.
O sonho de quase todos os que chegam na Fórmula 1, pilotar para uma equipe como
a Ferrari, para o brasileiro, era algo real. Ocorreu quase que uma troca (com
um pouco de compensação financeira), com Barrichello indo para a Ferrari, e
Eddie Irvine, que quase foi campeão com a Scuderia em 1999, indo para a Jaguar
em 2000.
Mas ela, a tão sonhada vitória, teimou
em aparecer. Naquele ano 2000, ela parecia nunca chegar. Na Austrália, perdeu
nas paradas pra Schumacher. Na Inglaterra, fez a pole, mas teve problemas
hidráulicos e abandonou. No Canadá, dobradinha da Ferrari, vendo novamente o
alemão na ponta. A vitória, aquela, não vinha de jeito nenhum. E mundo,
universo, galáxias e estrelas alinhadas chegaram ao consenso de que ela
definitivamente não viria na Alemanha, 11ª etapa daquele Mundial.
Especialmente com a gana dos três
primeiros colocados naquele final de semana. Michael Schumacher, líder, 56
pontos, corria em casa, em Hockenheim, com a enorme e apaixonada torcida ao seu
lado, mas havia abandonado as duas últimas corridas. David Coulthard,
vice-líder, 50 pontos, vinha de boa sequência de pódios e buscava finalmente
bater o companheiro, o finlandês Mika Häkkinen, terceiro colocado, 48 pontos,
bicampeão, tentando se reerguer no campeonato. Na sexta-feira, chuva
torrencial, treinos parados por algum tempo (chegou a ter pneu quase
aquaplanando no box) e trabalhos muito atrapalhados. Mas o Rubinho se deu mal
mesmo foi no sábado.
Expliquemos: naquela sexta de chuva,
Schumacher achou um muro qualquer da pista da floresta negra e estatelou seu
carro, tendo que pegar o reserva. Até aí, tudo bem. Mas, como nem tudo que
reluz é ouro, o brasileiro, na classificação de sábado, teve problemas
elétricos e ficou quase 30 MINUTOS esperando a equipe consertar o carro do
alemão pra ele se virar. Quando tudo acabou e ele voltou pra pista, a chuva,
que tinha vindo com força na sexta, voltou. Ele ainda foi pra pista e ficou em
18º. De 20. Antepenúltimo. Até disse após o treino que queria “dormir no sábado
e acordar diretamente na segunda”. Ali, as críticas ficaram ainda mais pesadas.
Até se cogitou que Ralf Schumacher poderia substituir o brasileiro e formar uma
dupla com o irmão, Michael, a partir de 2001, na Ferrari. Porém, o domingo
seria diferente. E que domingo.
O sábado não foi o dia de Rubens Barrichello
|
30 de Julho de 2000,
Hockenheim, Alemanha – Com a boa briga pelo campeonato, a corrida prometia. A
esperança do brasileiro que acordava e assistia pela TV era de que Rubinho
conseguisse bons pontos. Primeiro lugar? Tema da vitória? Hoje? Não dá, coisa
de maluco, é sonhar demais. Mas o GP mostrou que seria atípico já na largada.
Coulthard, o pole, que havia reclamado com os pilotos e a direção de prova de
uma fechada absurda de Schumacher (2º no grid) na França, fez exatamente a
mesma coisa. O piloto da Ferrari, ao tentar desviar, reduziu e tentou uma
tomada de curva diferente, mas acabou foi acertando a Benetton de Giancarlo
Fisichella. Os dois abandonaram. Terceiro abandono seguido de Schumacher,
segundo na 1ª curva. O campeonato, que parecia encaminhado, deu a impressão ali
de que acabaria pra ele, e (de novo) iria para a McLaren, especialmente com
Häkkinen, que largou em 4º e assumiu a ponta na curva 1. Só não foi o grande
beneficiado da largada porque, enquanto isso, lá atrás, Barrichello foi
ganhando posição atrás de posição. Só na primeira volta ganhou OITO, pulando
pra 10º. Com um carro bem acertado, foi passando todo mundo (com belas
manobras, como em cima de Johnny Herbert), perdeu um pouco de tempo atrás de
Pedro de la Rosa e Jarno Trulli, mas mesmo assim pulou pra 3º, e, com o apoio
da torcida alemã (sua vitória deixava Schumacher na ponta da tabela), foi
embora. Mas aí a vantagem das McLaren já era de mais de 10 segundos. Parecia
impossível alcançá-las. Parecia. Até que a sorte, que pareceu estar longe
durante anos, inclusive naquele fim de semana, enfim virou para o brasileiro.
De repente, no meio da
prova, alguém na área de escape da pista. O estranhamento foi imediato. “Um
piloto? Um fiscal?” Não, era um maluco bêbado! Um funcionário francês, de 47
anos, resolveu protestar sua demissão da Mercedes-Benz depois de 20 anos de
serviços prestados ali mesmo, na casa deles, na pista de Hockenheim. Algo
inédito. Quem acompanhava pela TV desligou e ligou de novo o aparelho, sem
acreditar. Mal ele sabia que havia prejudicado diretamente as McLaren, carros
abastecidos por motores... Mercedes (Rá!), com a entrada do safety-car. Bela
maneira de se vingar – só não foi perfeita porque ele foi processado pela
Mercedes-Benz e pelo autódromo de Hockenheim.
|
“Tudo bem, legal, mas e aí?
Barrichello continua em 3º, mesmo com o carro de segurança”, pensava o
telespectador/torcedor. Eis que veio o componente ideal para Rubinho na
corrida. A chuva.
Ah, a chuva. Ela, que deu o ar
da graça na sexta e no sábado, e só o atrapalhou, brincou de novo no domingo. Enquanto todos paravam para colocar os pneus
intermediários, quatro pilotos tentavam ficar na pista com os pneus de pista
seca, já que apenas o trecho final, o famoso Stadium, estava molhado (toda a outra parte, dentro da floresta,
estava seca). Coulthard quase rodou e trocou os pneus. Ricardo Zonta saiu da
pista e abandonou. Heinz-Harald Frentzen teve problemas mecânicos. Só sobrou
um: Rubens Barrichello. Enquanto a Ferrari se aprontava e implorava por sua
entrada para troca de pneus pelo rádio, ele foi teimoso. Sabia que era a única
chance de vitória. Arriscou. Deu certo.
A pista foi ficando melhor,
ele foi se adaptando e Häkkinen parou de tirar a diferença de forma estrondosa. Chegaram as voltas finais.
Buzinas tocando. Ele trazendo na ponta dos dedos com a pista molhada. A
explosão. A consagração. Depois de quase 7 anos de agonias, esperanças jogadas
fora, tentativas que ficaram no quase e muita dor, a tão sonhada vitória
chegou. Rubens Barrichello vencia sua primeira corrida na Fórmula 1. A palavra
“vencer” passou a estar ligada novamente ao Brasil na categoria. A inesquecível
narração de Galvão Bueno era carregada de emoção (depois da final da
Copa de 1994, aquele foi o
maior momento de êxtase do esporte brasileiro, sem dúvida alguma). Em casa, o
torcedor saía do chão, gritava, se emocionava, chorava de alegria. Foi um dos
melhores dias da história do Brasil na F1.
Depois, os parabéns.
Schumacher (que manteve a ponta do campeonato). Os chefes, Jean Todt e Ross Brawn. Funcionários da Jaguar (lembra que ela era
Stewart?). Da Jordan (onde ele começou a carreira e correu por quatro anos). Da
Arrows. Até dos rivais, a McLaren. No pódio, o retrato da luta e da emoção.
Rubens, ao ouvir o hino nacional, desmonta em lágrimas com a bandeira do Brasil
na mão. Levantado por Häkkinen e por Coulthard ali mesmo, sorri. Vibra.
Extravasa. Era a resposta às criticas. De tachado de “pé-de-chinelo” à grande
consagrado no lugar mais alto do pódio. Fazendo o hino brasileiro tocar de
novo. Não poderia ser melhor.
Tá vendo, Rubens? Não
precisava ter ido dormir no sábado e pular direto para segunda. Teria perdido
uma aventura épica. E nós também.
____________________
Quer fazer parte do nosso time de colunistas? Saiba como clicando aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário