quarta-feira, 1 de julho de 2015

ADMIRÁVEL FÓRMULA NOVA: A vitória de Nélson Ângelo Piquet sobre a moral trágica e o nacionalismo pacheco

Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama




Nélson Ângelo Piquet nasceu na Alemanha, mas sempre correu com a bandeira brasileira.

Que diferença isso faz, dentro do cockpit?

Seu sobrenome – dos mais famosos no automobilismo – não fazia o pé pesar mais no acelerador.

Nélson Piquet, o segundo, se tornou o primeiro campeão mundial da Fórmula E, a categoria dos carros elétricos criados pela FIA para adequar o automobilismo a novos tempos de tecnologia farta e recursos naturais escassos.

A fórmula da “economia verde” dos motores elétricos sem combustão, sem ronco e sem gases também se notabilizou por realizar corridas competitivas sem circuitos permanentes. A categoria corre apenas nas ruas de grandes cidades ou balneários turísticos.

Ao se livrar da poluição dos motores tradicionais e dos riscos dos circuitos permanentes – ambos, poluição e riscos, responsáveis por centenas de milhares de mortes ao longo do século XX – a F-E apresenta uma versão clean, politicamente correta do automobilismo, em sintonia com a moralidade do século XXI. Num golpe de marketing genial, os fãs participam em tempo real da disputa: a FIA concede aceleradores de perfórmance aos três pilotos mais bem votados nos meios de comunicação digital a cada GP (o fanboost).

Seus praticantes não são mais heróis trágicos arriscando suas vidas, recursos naturais escassos e pulmões alheios a cada zebra ou variante de alta, dando suas vidas pela vitória, arriscando-se em manobras corajosas que rompem a moralidade vigente. Agora, são pioneiros envolvidos em riscos calculados e sustentáveis. Têm que sustentar suas imagens públicas diante de uma plateia de espectadores globais capazes de interferir no resultado das corridas.  

“Nelsinho” simboliza à perfeição a mudança de perfil do marketing do automobilismo como categoria esportiva proposta pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA).

Na velha F-1 dos motores a combustão, recursos desperdiçados e moralidade trágica, “Nelsinho” teve sua carreira marcada pelo GP de Cingapura em 2008. Ao propositalmente bater o carro durante a corrida para favorecer o companheiro Fernando Alonso, “Nelsinho” não recebeu o respeito dos operários-padrão da F1, leais a suas equipes acima da própria fortuna (caso de Felipe Massa na Sauber e Ferrari). Tampouco foi visto como mera engrenagem na tortuosa máquina da F1, que leva os pilotos a tomar decisões condenáveis que muitas vezes ameaçam a integridade dos colegas (caso de Ayrton Senna na decisão do Mundial de 1990).

No circo da F1 e no nacionalismo pacheco, o “brasileirinho Nelsinho” foi transformado em vilão.

Sua carreira, até então cuidadosamente planejada e financiada pelo pai – tricampeão mundial Mestre Nélson Piquet – virou um circo mambembe. Desde então, “Nelsinho” perambulou por diversas categorias do automobilismo. Visto como talento desperdiçado – mais um moído moralmente pela máquina da F1 – que se rendeu às sinistras maquinações que movem o circo, “Nelsinho” virou um fraco que caiu por fraqueza própria, não pelos três décimos (não sete) de desvantagem para Alonso.

O jovem “novo Piquet” ficou precocemente velho. Perambulou pelo mundo, sempre demonstrando talento de sobra para pilotar qualquer coisa que se mova. Depois de muito andar, graças ao capital chinês e ao sobrenome de tricampeão mundial, obteve uma chance na emergente categoria da F-E.

Na F-E, “Nelsinho” fez um detox em sua imagem pública, da mesma forma como a categoria se propôs a ser uma modalidade detox do automobilismo tradicional. Sempre rápido e vencedor de dois ePs da categoria em 2015, “Nelsinho” disputou curvas apertadas com sobrenomes de peso dotados de braços menos afortunados, casos de Prost (o filho) e Senna (o sobrinho).

A virada na imagem pública de “Nelsinho” ocorreu na disputa direta com outro “brasileirinho”, o ex-companheiro de Renault na F1 e rival na F-E, Lucas di Grassi. A nacionalidade, pois, não era o item mais importante na agenda da disputa, tampouco nos corações e mentes dos fãs da categoria.

Vencedor do ePrix de Berlim, Di Grassi foi desclassificado por ter feito mudança em seu carro proibida pelo regulamento da categoria. A desclassificação rendeu a “Nelsinho” a liderança do Mundial. Di Grassi acusou o golpe lembrando o passado de “Nelsinho” na F1. O passado, afinal, condena. Será?

Com o respaldo de muitos fãs da nova F-E (boa parte não assistiu o GP de Cingapura de F1 de 2008) “Nelsinho” respondeu ao #mimimi passado com a realidade do presente. Afinal, regras são regras.

A prova de maturidade do novo Piquet se provaria frutuosa, ao final da temporada 2015 da F-E. O título não seria decidido nos tribunais, mas no asfalto. E a etapa final foi, literalmente, elétrica. O herdeiro de Nélson colheu os louros com a ajuda do herdeiro não-oficial de Ayrton, em Londres.


Campeão, quase campeão e Bi-Campeão


Nélson Piquet, o segundo, foi punido pelas regras da F1 em 2008 e não se fez de vítima. Favorecido pela fortuna em uma nova categoria, um novo tempo e uma nova moralidade, manteve a coerência. Pagou um alto preço pela decisão de 2008. E colheu os louros por suas decisões em 2015.

Não tivemos uma disputa de cavaleiros nos termos perigosos e trágicos da explosão dos motores.

Nem vimos uma disputa de vida ou morte de dois patriotas afeitos ao gosto volátil do pachequismo da mídia nativa – o “bom” brasileirinho Di Grassi (vítima) e o “mau” brasileirinho Nelsinho (vilão).

(Di Grassi virou azarão na disputa pelo título, o grande competidor foi o suíço Sébastien Buemi)

Ao final da temporada, o campeão foi simplesmente mais rápido que os demais. Better than the rest.

Em sete anos, a roda da fortuna girou e “Nelsinho” mudou o tom. De Geni para Apesar de Você.

Na Modernidade, o presente não é refém do passado. É preciso uma nova moralidade para dar vazão a novo presente. “Nelsinho” representa esse movimento de transição, do vilão para o vencedor.

Ayrton Senna, em 1991. Tony Kanaan, em 2004. E Nélson Ângelo Piquet, em 2015.

Vencedores de diferentes configurações do automobilismo, que representam diferentes movimentos da moralidade social.

A nacionalidade brasileira e seus sobrenomes é o que menos importa para moldar seus destinos. 



Carlos é ã da Era de Ouro da F1, admirador eterno do Mestre Nélson Piquet, telespectador assíduo da F-E




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