Nélson Ângelo Piquet nasceu na Alemanha, mas sempre
correu com a bandeira brasileira.
Que diferença isso faz, dentro do cockpit?
Seu sobrenome – dos mais famosos no automobilismo –
não fazia o pé pesar mais no acelerador.
Nélson Piquet, o segundo, se tornou o primeiro campeão
mundial da Fórmula E, a categoria dos carros elétricos criados pela FIA para
adequar o automobilismo a novos tempos de tecnologia farta e recursos naturais
escassos.
A fórmula da “economia verde” dos motores elétricos
sem combustão, sem ronco e sem gases também se notabilizou por realizar
corridas competitivas sem circuitos permanentes. A categoria corre apenas nas
ruas de grandes cidades ou balneários turísticos.
Ao se livrar da poluição dos motores tradicionais e
dos riscos dos circuitos permanentes – ambos, poluição e riscos, responsáveis
por centenas de milhares de mortes ao longo do século XX – a F-E apresenta uma
versão clean, politicamente correta
do automobilismo, em sintonia com a moralidade do século XXI. Num golpe de
marketing genial, os fãs participam em tempo real da disputa: a FIA concede
aceleradores de perfórmance aos três pilotos mais bem votados nos meios de
comunicação digital a cada GP (o fanboost).
Seus praticantes não são mais heróis trágicos
arriscando suas vidas, recursos naturais escassos e pulmões alheios a cada
zebra ou variante de alta, dando suas vidas pela vitória, arriscando-se em
manobras corajosas que rompem a moralidade vigente. Agora, são pioneiros
envolvidos em riscos calculados e sustentáveis. Têm que sustentar suas imagens
públicas diante de uma plateia de espectadores globais capazes de interferir no
resultado das corridas.
“Nelsinho” simboliza à perfeição a mudança de perfil
do marketing do automobilismo como categoria esportiva proposta pela Federação
Internacional de Automobilismo (FIA).
Na velha F-1 dos motores a combustão, recursos
desperdiçados e moralidade trágica, “Nelsinho” teve sua carreira marcada pelo
GP de Cingapura em 2008. Ao propositalmente bater o carro durante a corrida
para favorecer o companheiro Fernando Alonso, “Nelsinho” não recebeu o respeito
dos operários-padrão da F1, leais a suas equipes acima da própria fortuna (caso
de Felipe Massa na Sauber e Ferrari). Tampouco foi visto como mera engrenagem
na tortuosa máquina da F1, que leva os pilotos a tomar decisões condenáveis que
muitas vezes ameaçam a integridade dos colegas (caso de Ayrton Senna na decisão
do Mundial de 1990).
No circo da F1 e no nacionalismo pacheco, o
“brasileirinho Nelsinho” foi transformado em vilão.
Sua carreira, até então cuidadosamente planejada e
financiada pelo pai – tricampeão mundial Mestre Nélson Piquet – virou um circo
mambembe. Desde então, “Nelsinho” perambulou por diversas categorias do
automobilismo. Visto como talento desperdiçado – mais um moído moralmente pela
máquina da F1 – que se rendeu às sinistras maquinações que movem o circo,
“Nelsinho” virou um fraco que caiu por fraqueza própria, não pelos três décimos
(não sete) de desvantagem para Alonso.
O jovem “novo Piquet” ficou precocemente velho. Perambulou
pelo mundo, sempre demonstrando talento de sobra para pilotar qualquer coisa
que se mova. Depois de muito andar, graças ao capital chinês e ao sobrenome de
tricampeão mundial, obteve uma chance na emergente categoria da F-E.
Na F-E, “Nelsinho” fez um detox em sua imagem pública,
da mesma forma como a categoria se propôs a ser uma modalidade detox do
automobilismo tradicional. Sempre rápido e vencedor de dois ePs da categoria em
2015, “Nelsinho” disputou curvas apertadas com sobrenomes de peso dotados de
braços menos afortunados, casos de Prost (o filho) e Senna (o sobrinho).
A virada na imagem pública de “Nelsinho” ocorreu na
disputa direta com outro “brasileirinho”, o ex-companheiro de Renault na F1 e
rival na F-E, Lucas di Grassi. A nacionalidade, pois, não era o item mais
importante na agenda da disputa, tampouco nos corações e mentes dos fãs da
categoria.
Vencedor do ePrix de Berlim, Di Grassi foi
desclassificado por ter feito mudança em seu carro proibida pelo regulamento da
categoria. A desclassificação rendeu a “Nelsinho” a liderança do Mundial. Di
Grassi acusou o golpe lembrando o passado de “Nelsinho” na F1. O passado,
afinal, condena. Será?
Com o respaldo de muitos fãs da nova F-E (boa parte
não assistiu o GP de Cingapura de F1 de 2008) “Nelsinho” respondeu ao #mimimi passado
com a realidade do presente. Afinal, regras
são regras.
A prova de maturidade do novo Piquet se provaria
frutuosa, ao final da temporada 2015 da F-E. O título não seria decidido nos
tribunais, mas no asfalto. E a etapa final foi, literalmente, elétrica. O
herdeiro de Nélson colheu os louros com a ajuda do herdeiro não-oficial de
Ayrton, em Londres.
Campeão, quase campeão e
Bi-Campeão
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Nélson Piquet, o segundo, foi punido pelas regras da
F1 em 2008 e não se fez de vítima. Favorecido pela fortuna em uma nova
categoria, um novo tempo e uma nova moralidade, manteve a coerência. Pagou um
alto preço pela decisão de 2008. E colheu os louros por suas decisões em 2015.
Não tivemos uma disputa de cavaleiros nos termos
perigosos e trágicos da explosão dos motores.
Nem vimos uma disputa de vida ou morte de dois
patriotas afeitos ao gosto volátil do pachequismo da mídia nativa – o “bom”
brasileirinho Di Grassi (vítima) e o “mau” brasileirinho Nelsinho (vilão).
(Di Grassi virou azarão na disputa pelo título, o grande competidor foi
o suíço Sébastien Buemi)
Ao final da temporada, o campeão foi simplesmente mais
rápido que os demais. Better than the
rest.
Em sete anos, a roda da fortuna girou e “Nelsinho”
mudou o tom. De Geni para Apesar de Você.
Na Modernidade, o presente não é refém do passado. É
preciso uma nova moralidade para dar vazão a novo presente. “Nelsinho”
representa esse movimento de transição, do vilão para o vencedor.
Ayrton Senna, em 1991. Tony Kanaan, em 2004. E Nélson
Ângelo Piquet, em 2015.
Vencedores de diferentes configurações do
automobilismo, que representam diferentes movimentos da moralidade social.
A nacionalidade brasileira e seus sobrenomes é o que
menos importa para moldar seus destinos.
Carlos é ã da Era de Ouro da
F1, admirador eterno do Mestre Nélson Piquet, telespectador assíduo da F-E
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