domingo, 22 de fevereiro de 2015

Carta aberta a Ayrton Senna da Silva


Por: Carlos Frederico Pereira da Silva Gama




New Orleans, 22 de fevereiro de 2015.

Prezado Ayrton,

Não podemos nos falar no momento, estou fora do Brasil e você, idem.

Espero que essa carta lhe encontre em bom humor.

Temos dois Felipes representando o Brasil na F1 em 2015.

Um deles, um jovem piloto apoiado por um grande banco. Soa familiar?

O problema é que as semelhanças param na pista.

Apesar de rápido nos treinos, Felipe Nasr passou mais tempo justificando seus patrocínios do que falando sobre suas expectativas para a estreia na F1.

Nunca precisamos nos preocupar com os treinos para saber se um piloto brasileiro era bom ou não. Tínhamos as categorias de base, Ayrton, e elas sumiram uma após a outra.

Tínhamos títulos internacionais, e Nasr teve seu melhor momento ao chegar em 2º lugar na GP2.

Para você ter ideia do que representa esse vice hoje, o campeão da GP2 (filho de um ex-colega seu) será piloto de testes (de uma equipe com o nome Lotus, mas que não é a sua ex-equipe) em 2015.

A comemoração dos vices é uma novidade para quem te conheceu, Ayrton. Em 161 GPs na F1, apenas 19 vezes em 2º lugar. E nenhuma comemoração. Faltava a sensação de dever cumprido.

Minto. Você comemorou o 2º lugar em Adelaide, 1988. Tinha acabado de ser campeão do mundo.

O pódio era composto por você, Alain Prost e Nelson Piquet.

Bons tempos do automobilismo mundial. Tempos dourados do automobilismo brasileiro.

Não havia o que temer.

Falando em comemorar vices, o outro Felipe, o veterano Massa, comemorou bastante o 2º lugar no GP de Abu Dhabi, última etapa do Mundial 2014.

Acabam aí as semelhanças com a Austrália, 1988.

Apesar de Felipe Massa ter chegado à frente do companheiro nesse GP, no Mundial ficou mais de 50 pontos atrás. O que equivale a uns 20 pontos no sistema de pontuação de 1988. Muita coisa.

Como você, Ayrton, Felipe comemorou muito a pole position que fez em 2014. No caso, a única.

Porém, ao longo de quase 20 GPs, Massa foi superado na grande maioria pelo jovem finlandês Bottas. Você diria: sentou a bota.

No cômputo geral, Massa foi segundo piloto na equipe que não te quis em 1983.

Vivemos dias de segundismo agudo. Quem podia imaginar?

Desde a aposentadoria do seu rival Piquet, o Brasil foi quatro vezes vice. O seu brilhante vice em 1993, dois vices com seu pupilo Rubens Barrichello em 2002 e 2004, com carros invencíveis, e um com Massa, em 2008.

Massa não vence há mais de 100 GPs, Ayrton. Está aí uma situação inédita para quem te conheceu. Sua imensa torcida o perdoa pela falta de resultados. Nos acostumamos a um vergonhoso jejum.

A última vitória foi de Barrichello, já um veteraníssimo, quase 40 anos, há 6 temporadas. Lula ainda era presidente do Brasil. Ah sim, as coisas mudaram por aqui desde 1994. Menos o Plano Real.

No plano do real, o Brasil terá dois coadjuvantes em 2015, o ano de De Volta para o Futuro. Na época de Marty McFly, tínhamos dois candidatos ao champagne.

Na falta de um DeLorean, podemos usar o Youtube.

Bons tempos...


Um ano depois, com um carro superior:



Velho... Emocionante isso.

A boa e velha F1.

Você teve vários carros superiores, Ayrton. Tudo bem. Te caíram muito bem.

O som do motor Honda... E sua agressividade. O volante pulando. Você era o cara baixando 0.5, 1.5 segundos do resto.

E hoje falam do motor turbo de batedeira (voltamos aos turbos, só que mudos) e da “agressividade” de Massa.

Ah... É bom ter visto a Era de Ouro.

Cara... A agressividade e a técnica... sobrenaturais. Tinha dia que era difícil crer nos olhos.

Com Lotus saindo de traseira, com McLaren. Ayrton, você dava gosto de ver.


Turbos... que tempo! E com barulho e faíscas:

Senna, o mais rápido, na maior pista da F1, a inesquecível Hockenheim.

Senna comenta... Senna, o mais rápido na chuva em todos os tempos...


Na entrada da Eau Rouge, você já tinha alguns segundos de vantagem sobre os demais.

Detalhe: não largou na pole.

Fantástico.

Melhor do que na McLaren. E era só o começo..

Na melhor pista de todos os tempos... com chuva.

Segunda vitória. Spa, 1985.

Ayrton, depois desse longo e belo monólogo, lembro que ainda se discute por aqui o que teria sido o Mundial de 1994.

Quem viu F1 nos anos 1980 e 1990, sabe que 1993 foi o seu ano. O melhor. Já era seu 10º mundial.

"Todo ano tem vencedor, mas nem todo ano tem campeão".

Na pista, há coisas que vão além dos títulos. Que sobrevivem aos anos.

Também não mais as temos.

Os momentos memoráveis do Brasil na F1 2014 foram as muitas batidas de Massa.

Para quem viu você fazer coisas improváveis, vale a pena pensar “e se”. Mas não farei, Ayrton.

Te vimos envolvido em graves acidentes sem nunca temer a curva seguinte.

Apesar de querer ser mais rápido que o carro, mais rápido que o Senna do momento anterior... Não tinha limites, só os autoimpostos.

Triste não ter mais isso. Saudade com juros e correção monetária.

A persistência em prol da vitória, que te fez, no Japão, símbolo do profissional disciplinado, obcecado pela perfeição, pelos detalhes que levavam à vitória. Quase um samurai. Osamu Goto era apenas um dos seus fãs por lá que se confessava maravilhado com o seu trabalho no dia-a-dia.

Finalizo com uma pequena comparação para os tempos de outrora e de hoje, já falei demais:


Sua pole em Interlagos, 1991.




Pole de Rubens Barrichello em Interlagos, 2003.




Pole de Felipe Massa em Interlagos, 2007.


Apesar dos carros terem melhorado horrores (ver tempo), a perfórmance...

Ayrton, isso é que é agressividade. Técnica acima de qualquer suspeita. Cara, isso empolga. Até as besteiras empolgadas de seu amigo Galvão se tornam aceitáveis contigo ao volante.

Barrichello e Massa são agressivos e técnicos, grandes voltas.

Mas sabe mais? Você conseguia isso e ainda encantar os olhos.

É bom ter assistido essas coisas.

Pena que não tem mais.

Fora que os carros eram lindos e as faíscas dos turbos...

Ayrton, já agradei o bastante à minha saudade hoje.

Espero não ter aborrecido você.

E naquela madrugada de Suzuka, 1989, nada poderia te segurar. E vimos. Não segurou.

Até o som dos motores era diferente. Não esqueço o som do seu Honda em Suzuka, a cada trecho da pista, me vem um som diferente, as marchas trocadas manualmente, o motor roncando e abaixando. O timbre era bonito. Empolgava ver as corridas, detalhes pequenos.

Hoje... Sei lá, os motores parece que funcionam o tempo todo no máximo, e as trocas de marcha no volante são velozes demais. O som fica quase sempre o mesmo, não empolga.

Estou ficando velho. A F1 de 25 anos atrás era mais... bonita.

Não posso te pagar uma bebida. Seriam muitas, para cada beleza que tivemos nas pistas.

Abraços fraternos,
de um fã saudosista.



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Um comentário:

  1. Texto muito bem escrito, Carlos. Tua maneira de dar sequência às opiniões é muito leve e nos prende do início ao fim. Apesar de a análise ser claramente equivocada no que concerne ao Massa, devo reconhecer que você tem talento. Parabéns!

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