Numa F1 com mais
países, mais corridas e mais dinheiro envolvido, os recordes caem facilmente
diante de uma audiência globalizada de centenas de milhões que falam línguas diferentes.
Emerson Fittipaldi
era o campeão mais jovem desde 1972, aí veio Fernando Alonso. E depois de
Alonso, Sebastian Vettel. E hoje pilotos de 17 anos como Max Verstappen já
marcaram pontos...
Alain Prost era o
recordista de vitórias desde 1993, aí veio Michael Schumacher. Hoje temos três
pilotos em condição de chegar perto de Schumacher em vitórias: Alonso, Vettel e
Lewis Hamilton.
Ayrton Senna era o
recordista de poles desde 1994. Aí veio Schumacher. Vettel e Hamilton têm
condição de chegar a 69 poles position em suas ainda longas carreiras.
Prost tinha o recorde
de voltas mais rápidas desde 1993. Aí veio Schumacher. E Kimi Raikkonen já
igualou Prost. Com mais alguns anos, o finlandês pode superar o alemão.
Prost também tinha o
recorde de pódios desde 1993. Aí veio Schumacher. Alonso, Vettel, Hamilton e
Raikkonen ainda têm tempo de superar o alemão.
Riccardo Patrese
tinha o recorde de GPs disputados desde 1993. Aí veio Rubens Barrichello. E
hoje, entre outros, Jenson Button e Alonso podem quebrar essa marca.
Mas uma dúvida
certamente permanece.
Será que alguém
superará um dos recordes mais marcantes da história da F1?
As seis vitórias de Senna no Principado de Mônaco.
Monaco Grand Prix |
O recorde de vitórias
no Grande Prêmio de Mônaco – disputado desde 1929 – ficou durante 24 anos em
mãos de Graham Hill, apelidado Mr. Mônaco. Em 1969 Hill venceu pela 5ª vez.
A primeira vitória de
Senna foi em 1987. Com a belíssima Lotus-Honda, Senna venceu após a quebra do
motor turbo de Nigel Mansell, da Williams-Honda, que era o melhor carro da
época. O feito de Senna foi quase tão valorizado quanto um título, à época. A
primeira vitória do Brasil em Montecarlo colocou Senna na liderança do Mundial,
depois vencido por Nélson Piquet (Williams).
Senna debuta no Principado com Lotus-Honda turbo,
1987.
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Senna comemorou em
dobro sua primeira vitória, já que se considerava legítimo vencedor da edição
de 1984. Com a frágil Toleman e num aguaceiro, Senna deixou para trás campeões
mundiais como Niki Lauda. A prova foi interrompida quando Senna ultrapassava
Prost. Valeu o resultado da volta anterior (a 31ª volta). Prost foi declarado
vencedor. Começava uma rivalidade marcante.
Senna, o mais rápido na chuva com a Toleman-Hart
turbo, 1984
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No anos seguinte –
despedida dos turbos na F1 – Senna estava ao volante de um carro invencível
pela primeira vez na carreira. A McLaren-Honda turbo venceria 15 das 16
corridas do Mundial 1988 (8 de Senna, 7 de Prost). Em 15 delas largaria da
pole-position (13 vezes Senna e apenas 2 Prost).
Uma das vitórias mais
fáceis de Senna naquele ano teria sido em Montecarlo.
Senna fez a
pole-position 1.427 à frente de Prost. 1 segundo e meio. Com o mesmo carro.
Quase 3 segundos
atrás viria a primeira não-McLaren, a Ferrari de Gerhard Berger.
Montecarlo é única
entre as pistas históricas da F1.
Nem um templo do
automobilismo, como Monza. Nem um inferno como os 22 km de Nurburgring,
desenhada pelas mãos de Adolf Hitler. Nem uma pista de testes da indústria
automobilística, como Indianapolis. E também não era um aeroporto militar, como
Silverstone.
Apesar do glamour da
monarquia monegasca e dos iates de milionários e jet-setters internacionais
enganarem os olhos, Montercarlo é algo mais prosaico: um conjunto de ruas.
Um estreito labirinto
cortando o sinuoso litoral do Principado, entre cassinos, tabacarias e o famoso
túnel onde Senna teria sentido a presença de Jesus Cristo (acelerando para além
da imaginação).
Ruas são exigentes inclusive com carros invencíveis. A dificuldade do traçado nivela o equipamento. Sem espaço no mais das vezes para ultrapassagens, o controle do carro supera os cavalos no motor.
Montecarlo é daquelas
pistas generosas com pilotos extraordinários, diante dos meramente bons.
Vale lembrar que
Senna adorava pistas de rua. Como Detroit, onde venceu três vezes seguidas.
Em 1988 Senna fez sua
especialidade: largou na pole e liderou as primeiras 66 voltas. Abriu mais de 1
minuto de vantagem para Prost. Em seguida, se distraiu e bateu no guard-rail.
Fim de prova e vitória de Prost (sua 4ª por lá).
Senna prestes a pular o muro, sem a McLaren-Honda
turbo, 1988
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Seria a última
frustração de Senna com as conquistas de Prost no Principado.
Em 1989 – já com
motores aspirados – Senna novamente largou na pole.
E novamente colocou 1 segundo em Prost.
E dessa vez liderou
todas as voltas e venceu com quase 1 minuto de dianteira.
O 2º lugar de Prost
manteria o francês na ponta do Mundial, conquistado na batida de Suzuka.
Senna sem zebras, de McLaren-Honda aspirada, 1989
|
Em 1990, outro
francês apareceria no caminho de Ayrton: o jovem Jean Alesi.
Com Prost numa forte
Ferrari, Senna faria a pole com menos de meio segundo de vantagem.
Poucos milésimos
atrás, em 3º, o prodígio Alesi, com uma frágil Tyrrell.
Prost aguentou 30
voltas atrás de Senna. Nas demais, Alesi ficou colado no brasileiro.
Chegou em 2º lugar
pouco mais de 1 segundo atrás, performance memorável que lembrou 1984.
A vitória de Senna ajudaria na briga com Prost pelo título mundial, ganho numa batida...em Suzuka.
Alesi, Prost e Senna, de McLaren-Honda aspirada, 1990
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Senna desfrutaria de
seu último carro superior em 1991, quando venceu sem adversários as 4 primeiras
corridas da temporada e o Mundial, por antecipação, em Suzuka (sem batida dessa
vez).
A 4ª vitória foi
exatamente o Grande Prêmio de Mônaco.
Senna fez mais uma
pole. A surpresa foi a 2ª colocação da Tyrrell de Stefano Modena, apenas meio
segundo atrás. A Tyrrell usava o motor Honda de Senna do ano anterior. O
segundo melhor carro de 1991 (Williams-Renault) largaria apenas na 2ª fila com
Patrese (6 décimos atrás) e 3ª fila (Mansell, 8 décimos atrás).
Modena ficou 42
voltas atrás de Senna até seu motor quebrar. Numa frágil Ferrari, Prost
herdaria o 2º lugar mas o perderia para Mansell. Senna venceu com folga de 18
segundos.
Senna de boa voa no Principado, McLaren-Honda
aspirada, 1991
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Senna viveu seu ano
mais difícil na F1 em 1992. Tinha um bom carro, a McLaren-Honda 4/7A com motor
V12. Mas a Mclaren competia contra “um carro de outro mundo” – a obra-prima
Williams-Renault FW14B, com todas as maravilhas tecnológicas conquistadas na
era pós-turbo. Eram poucas as chances de vitória de Senna (ou de qualquer outro
piloto) na primeira metade do ano. Na Williams, Mansell venceu as 5 primeiras
corridas do ano largando da pole, com enormes vantagens.
Mansell largou na
pole quase 1 segundo à frente do companheiro Patrese. E mais de 1 segundo à
frente de Senna. Em Montecarlo. Isso era a prova do “carro de outro mundo”
denunciado por Senna.
Nas 70 primeiras
voltas Mansell abriu enorme vantagem e deu voltas em todos na pista, exceto
Patrese e Senna. Sua melhor volta foi quase 2 segundos mais rápida que a melhor
volta de Senna (e 2.5 segundos mais rápida que a melhor volta de Michael
Schumacher no 3º melhor carro, Benetton).
Mas o Principado não
perdoa distrações. Mansell tocou o guard-rail na volta 70 e danificou os pneus.
Sua volta foi 30 segundos mais lenta que a de Senna, mais o tempo de parada nos
boxes.
Mansell ficou uma
volta preso com retardatários e perdeu mais 3 segundos. Mesmo assim, Senna
tinha só 5 segundos de vantagem para o inglês, faltando 5 voltas. Mansell tirou
1 segundo na volta 73. E tirou 3 segundos na volta 74, quebrando o recorde da
pista.
As ruas de Montercalo
transformadas em circuito têm 3328 metros de extensão.
Nas 3 voltas finais:
faltou pista para Mansell. Ou sobrou Senna na pista?
Torcemos loucamente
pela vitória de Ayrton. Em Montecarlo tudo é possível.
A 5ª vez a gente nunca esquece. Senna iguala Graham
Hill, McLaren-Honda aspirada, 1992.
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A torcida era
necessária. A vantagem do “carro de outro mundo” continuou em 1993.
E dessa vez, no lugar de Mansell, estava Prost. Em busca de seu quarto título.
E Senna dessa vez
tinha se oferecido para correr de graça na Williams. E teve o dissabor de ser
vetado pelo contrato de Prost – que tinha uma cláusula, digamos, anti-Senna.
Depois de ensaiar uma
fuga para a Fórmula Indy, Senna assinou um contrato corrida a corrida com a
McLaren, que já não teria mais os motores Honda e teria que se virar com uma
versão inferior dos motores Ford da Benetton. A cada corrida Senna embolsou 1
milhão de dólares.
Era o preço a se
pagar diante da vantagem da Williams.
Nos treinos de Mônaco
a diferença se tornou constrangedora. Prost fez a pole 1 segundo à frente.
Entre Prost e Senna
(dois erros nos treinos, duas batidas), o veloz Schumacher, pouco mais de meio
segundo atrás. Schumacher ficou à frente de Senna no Mundial 1992. Era a nova
estrela da F1.
Prost queimou a
largada. Depois de 11 voltas liderando sem forçar, Prost fez uma parada desastrosa
nos boxes para cumprir punição. Seu motor apagou. Prost voltou 1 volta atrás de
Schumacher.
O alemão liderou
também sem problemas 21 voltas. Até sua suspensão quebrar.
E Senna liderou as
demais voltas sem ser incomodado pela outra Williams invencível, de Damon Hill.
Venceu com quase 1
minuto de vantagem. Uma vitória quase por acaso? E 1984?
Pela 6ª vez. Mr.
Mônaco.
E líder – quase
impossível – do Mundial de 1993, eventualmente vencido por Prost.
Prost queima. Schumacher quebra. Senna se torna Mr. Mônaco.
McLaren-Ford aspirada, 1993.
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Senna não teria a
chance de uma sétima vitória, enfim na invencível Williams.
Morreria em 1994, em Imola,
um GP antes de Montecarlo, juntamente com Roland Ratzemberger.
Na primeira pole da
carreira de Schumacher, a 1ª fila do grid estava vazia.
A ausência de Ayrton Senna em Montecarlo, 1994.
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O vazio sulcado nas
ruas do Principado nunca foi preenchido (mesmo com 5 vitórias, Schumacher).
Mas uma coisa não
mudou. Vitórias improváveis (como Olivier Panis, 1996) são possíveis por aqui.
Uma vez por ano,
vemos a família real de Mônaco no pódio.
E nas ruas, todo dia,
caímos na real. Recomeça o grande prêmio da vida.
Montecarlo é a
síntese das contradições da F1. A democracia do asfalto e a aristocracia do
pódio.
O mesmo braço que
segura o volante durante 2 horas ergue o champagne por alguns segundos.
A insustentável
leveza da vida.
(Carlos Frederico Pereira da Silva Gama é professor de Relações
Internacionais da UFT e assiste o Grande Prêmio de Mônaco desde a Era de Ouro
da F1)
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